Não é estranho quem hoje for às bancas comprar um jornal ou espreitar um telejornal não tenha uma linha, um segundo de informação sobre a campanha, os candidatos, as propostas para a eleição que vai ocorrer amanhã?
Sobre o anacrónico dia de reflexão, quatro anos depois nem a fraquíssima qualidade das campanhas me faz alterar o que então pensava e escrevi.
"Os legisladores tendem, muitas vezes, a tratar os cidadãos como seres globalmente diminuídos, que em inúmeras áreas precisam de uma protecção especial do Estado que, com paternalismo, lhe há-de ser dada pelas leis e pela sua aplicação.
Daqui até aos exageros na função reguladora do Estado vai um passo. Esta, que é importante e tende a constituir-se crescentemente como a sua função central, pode tornar-se num pesadelo quando é levada longe demais.
Também é frequente verificar-se que algumas regras impostas pela lei se tornam obsoletas com a mudança dos tempos. Numa época de aceleradas transformações sociais, culturas e tecnológicas, como nas duas últimas décadas, esse desfoque torna-se ainda mais evidente em muitas áreas. (...) O convencionado dia de reflexão pré-eleitoral, que hoje volta a cumprir-se em Portugal, é mais um filho desses fenómenos. Como o era, até ter acabado há poucos anos, o prazo de uma semana de jejum de sondagens que tinha que haver antes de cada acto eleitoral.
É provável que já tenha feito sentido nos primórdios da democracia, quando os debates eram mais acesos, as diferentes opções políticas mais vincadas e a comunicação social mais politizada e militante.
Mas hoje deixou de ter utilidade. A propaganda e informação publicada estão disponíveis na Internet para quem queira consultá-la, os emails e os SMS permitem chegar aos eleitores de forma massificada e anónima, atrapalhando a pacata reflexão. Mas, sobretudo, os eleitores são adultos, são muito mais sensatos e ponderados do que, por vezes, muita gente quer fazer crer. Pretender que precisam de 24 horas completamente livres de ruído para meditar no voto que hão-de fazer é atribuir-lhes limitada capacidade de discernimento e fraca consistência na formação de opinião.
Também não deixa de ser um contra senso que, em nome de condições pretensamente laboratoriais de voto – primeiro duas semanas de campanha, depois um dia para tudo digerir, depois decidir e por fim votar –, se sacrifique o pleno esclarecimento dos eleitores, que nunca vêm reflectidas nos jornais a análise das importantes últimas 24 horas de campanha.
Intimamente, e depois de longas semanas de campanhas ruidosas, podemos até gostar da paz mediática proporcionada por um dia em que não se pode fazer propaganda eleitoral. Mas se esse espírito, que não é o do dia de reflexão, é levado ao extremo acabam-se simplesmente as campanhas eleitorais. E isso ninguém defende, certamente"
Editorial do Público, 10.Fev.2007