Editorial que escrevi no Público, 16 de Janeiro de 2009
"Parece uma boa notícia, a destoar da desgraça generalizada, aquela que o PÚBLICO deu ontem: a CP já não vai aumentar o preço dos bilhetes das viagens de longo curso, comboios Alfa e Intercidades, que são os únicos sobre os quais a própria empresa tem capacidade de decisão – os outros, os preços dos serviços suburbano e regional são fixados pelo Governo por razões sociais.
Se a CP fosse uma empresa privada, sujeita a concorrência ou uma monopolista devidamente regulada e com as contas saudáveis, essa seria mesmo uma boa notícia. Isso significaria que os ganhos de eficiência estavam a ser partilhados com os clientes, como é boa prática de administrações modernas e conscientes em mercados eficientes.
Mas a CP não é nada daquilo. É uma empresa do Estado, monopolista mas não regulada, tecnicamente falida, sujeita a todo o tipo de pressões e utilizações políticas, que arrasta atrás de si uma dívida imensa e acumula prejuízos há décadas.
Então, vendo bem, aquela é afinal uma boa notícia para quem? Para os utentes daqueles comboios é, certamente. Mas essa é uma boa notícia para alguns milhares e, ao mesmo tempo, uma má notícia para os restantes milhões de contribuintes.
A CP é, provavelmente, o caso mais crítico no crítico sector dos transportes públicos – aquele onde até hoje nenhum Governo mexeu a sério, porque isso implica introduzir alguma verdade nos preços dos bilhetes e ninguém tem coragem para isso. Enquanto isso, o sector público dos transportes tornou-se num dos mais sérios problemas para as finanças públicas do país.
Alguns números deste horror financeiro e empresarial. No ano passado, a CP teve um prejuízo de 184 milhões de euros, o que significa mais de 3,5 milhões de euros perdidos por semana. Os prejuízos acumulados pela empresa ao longo dos últimos anos já somam 3,8 mil milhões de euros, verba que pagava todo o aeroporto de Alcochete e ainda sobravam 600 milhões de euros. A dívida da empresa no final de 2007 somava 2,8 mil milhões de euros e se fosse paga em prestações diárias, seriam quase 7,7 milhões de euros por cada um dos 365 dias do ano. Por último, os capitais próprios negativos (a diferença entre os activos e os passivos da empresa) já somam 1,8 mil milhões de euros. Isto era quanto os contribuintes portugueses teriam que pagar se a empresa fosse encerrada amanhã.
Porque é que uma empresa com este cadastro financeiro decide congelar os preços na única área de negócio onde tem lucros e que não desempenha uma função social, atirando pela janela cerca de três milhões de euros que terão que ser pagos por todos os contribuintes?
A irracionalidade desta medida é explicada pelo Conselho de Gerência como a alteração, daqui a algum tempo, da política de tarifas, que vão ser diferenciadas em função do momento em que se compra o bilhete, como acontece nas companhias aéreas. Ainda que seja assim, será que uma mudança na política de preços impede que estes sejam actualizados no início do ano? Qualquer empresário responderá que não.
O certo é que a CP já tinha comunicado ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes que ia aumentar aquelas tarifas, tendo depois recuado.
E sabemos, também, que em 2009 vão realizar-se vários actos eleitorais e que o Ministério de Mário Lino já deu mostras de não olhar a meios – do Estado – para atingir alguns fins – partidários.
Veja-se, por exemplo, a ordem dada às empresas públicas que tutela – mas também, sugestivamente, à Portugal Telecom – para que o informem todas as sextas-feiras das inaugurações e outros eventos públicos previstos para as semanas seguintes. Uma súbita necessidade de acerto de agendas que, certamente apenas por coincidência, acontece no arranque de um ano eleitoral.
É por estas e por outras que subsistirão durante muitos anos empresas públicas que acumulam prejuízos, algumas mal geridas e quase todas sujeitas à intervenção política que mais convém ao Governo de turno.
No caso da CP, sintomaticamente, nem o serviço público que a empresa presta está contratualizado com o Estado. Sem regras para cumprir, não podemos estranhar que a única lei que se impõe sempre é a da eterna acumulação de perdas."